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Vamos alimentar linces e abutres

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Mensagem  Admin Qua 19 Dez 2012 - 19:10

Vamos alimentar linces e abutres Abutres
Dois abutres-pretos esperam a sua vez de comer, na Herdade da Contenda. Em baixo, crias de lince num cercado, em Silves
José Ventura

Desconfiados, os abutres voam alto, atentos ao que se passa em terra. A batida de caça na Herdade da Contenda, na zona de Moura-Barrancos, despertara-lhes a atenção pela manhã e prometera-lhes um festim. O dia já vai a meio quando os homens descarregam três carcaças desmembradas na sala do repasto - um cercado de meio hectare numa das maiores herdades alentejanas. Meia hora depois, uma nuvem de abutres ataca o banquete. Contam-se duas centenas de grifos e apenas três abutres-pretos. Digladiam-se entre bicadas na carne putrefacta. Mas não comem tudo. A tarde outonal vai longa e está na hora de recolherem. Vão repousar nas encostas vizinhas até que a luz volte a raiar forte e o ar quente os faça levantar voo. O que sobra fica para o pequeno-almoço seguinte.

O salão de festas - tecnicamente definido como campo de alimentação para aves necrófagas - é um dos quatro espaços do género criados na zona alentejana de Moura-Barrancos e de Mértola, no âmbito do Programa Life "Habitat do Lince Ibérico e do Abutre-preto". O projeto de conservação destas duas espécies em perigo de extinção está a ser desenvolvido desde 2010 (até 2014), no sudeste do Alentejo e do Algarve, pela Liga para Proteção da Natureza (LPN), em parceria com a Flora e Fauna Internacional e o Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF). O objetivo é criar as condições para que os linces possam ser reintroduzidos em Portugal e os abutres-pretos por aqui recomecem a procriar.

"O abutre é um predador de topo que tem uma função de limpeza sanitária do ecossistema", explica Eduardo Santos, biólogo e coordenador deste projeto da LPN. Porém, as alterações na paisagem agrícola, a fragmentação do habitat e a redução de alimento disponível - já que a legislação europeia proíbe o abandono do gado doméstico que morre no campo - fazem com que seja necessário encontrar alternativas para tornar a região novamente atraente para estas aves necrófagas, que por aqui deixaram de nidificar nos anos 70.

"Os abutres são filopátricos, ou seja, para nidificar voltam ao sítio onde nasceram. E os que por aqui aparecem vêm de colónias dispersas em Espanha", esclarece Eduardo Santos, realçando a importância de aqui lhes permitir encontrar um bom berço. Para isso, além dos campos de alimentação (estão previstos nove ao todo), têm sido construídos ninhos artificiais nas copas de árvores nas encostas de várias herdades da região. Só na Contenda foram erguidos 12 ninhos. Mas ainda nenhum foi ocupado.

Todos saem a ganhar

Mas não pensemos que só os abutres saem a ganhar. Também os proprietários das terras e os criadores de gado têm benefícios: livram-se dos animais (vacas, ovelhas, cabras, porcos) que morrem de doença, de ataques de outros predadores ou de velhice (e que não poderiam ser vendidos para a cadeia de alimentação humana); promovem as suas propriedades para turismo da natureza e poupam nos gastos com o sistema de recolha e incineração de carcaças.

Só esta batida de caça, que serviu para "eliminar fêmeas de veado a mais" na Herdade da Contenda, rendeu à empresa municipal da Câmara de Moura perto de três mil euros, depois de descontados os custos. "Cada caçador pagou €100 para abater um veado (50 ao todo) e dois mil quilos de carne foram vendidos para Espanha", conta Miguel Ramalho. O responsável operacional pela herdade indica também que estão a apostar no turismo da natureza, recuperando casas antigas dos guardas florestais e abrindo as portas a observadores de aves.

Também o jovem agricultor Francisco Fialho cedo percebeu que a colaboração com o projeto lhe trazia vantagens. Na Herdade da Russiana, em Barrancos, onde se cria gado e se faz caça grossa, foram construídos abrigos e comedouros para o coelho-bravo e os proprietários serão recompensados por manterem os matagais e o montado adequados para o lince ibérico. "Quando reintroduzirem o lince, ele afasta outros predadores, como as raposas e os saca-rabos, o que é bom para nós", afirma Fialho. E acrescenta: "Além de que atrai turistas". E já está a pensar na recuperação dos montes da herdade.

"Só é possível alcançar bons resultados com a colaboração dos agricultores, dos proprietários das herdades e dos caçadores. Se as pessoas desaparecessem daqui, a qualidade do habitat também decairia", sublinha o biólogo Eduardo Santos.

Esta é igualmente a convicção de João Madeira, 41 anos, que explora uma propriedade de 890 hectares em Mértola, com gado, pastagens e forragens. "O projeto Life Lince Abutre enquadra-se na abordagem que temos de um ecossistema produtivo em equilíbrio", afirma convicto. Não tem dúvidas de que "uma população saudável de abutres permite a eliminação de outros animais selvagens que morrem nos campos (e podem ser transmissores de doenças) e a possibilidade de reintrodução do lince ibérico significa que temos o campo em bom estado e só pode valorizar o nosso território".

Mas nem todos os caçadores estão convencidos e há quem tema a concorrência dos linces na caça ao coelho-bravo. Eduardo Santos esclarece: "A época de caça não coincide com a época de reprodução do lince e é sobretudo nessa altura que é preciso haver controlo de atividades que causem perturbação, como a caça ou a silvicultura". E lembra que "a Andaluzia é a capital da caça maior e lá a população de lince quase duplicou numa década, tendo os caçadores como aliados".

Linces: para já só em cativeiro

Por cá, apesar de surgirem alguns relatos de avistamento de linces na natureza, só é certa a entrada de "Caribu" na zona de Moura-Barrancos, em 2010. O passeio luso do jovem lince que vivia do lado de lá da fronteira, na Serra Morena, foi denunciado pela coleira de telemetria que trazia ao pescoço. A reintrodução, na natureza portuguesa, dos linces que fazem parte do projeto ibérico de criação em cativeiro não acontecerá antes de 2014.

Ainda este mês, os técnicos portugueses e espanhóis vão reunir para decidir que emparelhamentos vão acontecer na próxima época de reprodução em cativeiro, em janeiro ou fevereiro. Os especialistas vão também definir quais os animais criados nos centros de reprodução de Portugal e d\e Espanha que serão introduzidos na natureza e onde. Certo é que o serão em 2013 e o mais provável é que fiquem em território espanhol, onde levam uma década de avanço com trabalho no terreno.

Em Portugal ainda há muito a fazer no campo da gestão de habitats, reprodução de coelho bravo e sensibilização das populações. Apesar de a Liga para a Proteção da Natureza se dedicar ao lince ibérico desde os anos 80, com a famosa campanha "Salvem o lince e a serra da Malcata", e ter desenvolvido vários projetos de conservação desde 2003, o Estado só aprovou o Plano de Ação do Lince em 2008. Este Life Lince-Abutre "é uma das peças do puzzle que se está a montar para a reintrodução do lince no meio selvagem em Portugal", sustenta Lurdes Carvalho, a bióloga do ICNF que coordena o Plano de Ação. Há dez anos já pouca gente acreditava que fosse possível recuperar esta espécie no país. E não faltava quem falasse na extinção do lince.

Vamos alimentar linces e abutres Lince

Vamos alimentar linces e abutres Abutrepreto

Fonte: Expresso
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